Maria Teias a aranha da família

Esta narrativa configura um "ecossistema" muito particular, elegendo por personagem principal uma aranha que partilha a casa com uma família, tecendo as teias em lugares tão invisíveis quanto possível, protegendo-se, assim, dos humanos, enquanto caça insetos.

O que a obra apresenta como novidade é a modalização avaliativa fortemente eufórica da figura da aranha. Esta é apresentada como "sabichona e valente", "grande caçadora de moscas, melgas e mosquitos", e capaz de tecer as suas teias "com grande precisão e rapidez". A aranha "gostava das pessoas daquela casa" e "sentia que a sua missão era protegê-las das moscas e das picadas das melgas e dos mosquitos", e "cumpria a sua missão de caçadora fiel e protectora". Em particular, a aranha empenhava-se em proteger os membros mais fracos e desprotegidos da família: as crianças. Há, assim, um topos que percorre todo o texto e que associa a aranha à proteção. A evocação da proteção às crianças constitui um reforço da intensidade da valoração positiva, na medida em que, num quadro de normalidade, esta é tanto mais válida e necessária quanto maior for o risco, ou a exposição e relevo das vítimas. A aparente invisibilidade do animal e dos seus atos sublinha o altruísmo da sua missão, uma vez que não busca o reconhecimento dos outros.

Em paralelo, a estrutura macrotextual apresenta um outro topos, o do risco e da negatividade, associado aos insetos. Estes estão ligados ao lixo ("as moscas voavam à volta da fruta, do caixote do lixo, e de qualquer pedaço de comida esquecido no balcão da cozinha") e àquilo que é interdito e negativo ("teria de vigiar as entradas, não fosse algum [inseto] atrevido tentar uma entrada sorrateira durante a noite").

Poderá sugerir-se que este animal assume uma atitude de puro serviço face aos humanos e que, portanto, o texto configura uma visão de puro utilitarismo: a aranha só seria importante porque, e na medida em que, é útil ao homem. Contudo, o texto apresenta uma personagem que assume voluntária e inteiramente o papel de agente das ações em que está envolvida, o que significa que é plena de intencionalidade: a aranha "escolhia sempre sítios escondidos e discretos para montar as suas armadilhosas teias", "decidiu inspeccionar a sua nova morada", "gostava muito de construir novas teias todos os dias", "nunca abandonou aquela família". É, portanto, por sua iniciativa que incarna o papel de defensora dos humanos, e não por qualquer forma de pressão alheia ou desígnio superior. Esta construção retórica atinge o seu auge no momento em que o narrador afirma que a aranha, plenamente imbuída de sentimentos humanos, "era feliz naquela casa".

Toda esta linha de desenvolvimento se orienta para a valorização da imagem de um animal que invade o espaço humano, que é tipicamente indesejado e é visto como repelente ou mesmo perigoso, para tentar inverter essa imagem estereotípica. Nesta narrativa, a aranha vela pelos humanos sem os perturbar, quase invisível, protegendo-os ativamente dos perigos reais constituídos pelos insetos. O que, implicitamente, afirma a negação de qualquer tipo de perigo que esta pudesse constituir e, portanto, retira qualquer justificação aos medos ou repugnâncias que possam os humanos sentir em relação àquele pequeno animal.

Ao mesmo tempo, a narrativa dá a ver alguma interação entre os vários elementos integrantes de um ecossistema limitado, mostrando como uns dependem dos outros (mesmo ignorando-o), o que é um dado crucial na aquisição de uma consciência ecológica.

Atente-se, igualmente, na inclusão na narrativa de elementos biográficos, retirados da própria experiência de vida do autor, nomeadamente a viagem até África e a necessidade de permanecer lá, longe da família mais próxima. A presença da aranha que, neste caso, acompanha a personagem, parece colaborar na mitigação das saudades que decorrem da distância entre o pai e os filhos. Além disso, as "cenas africanas" parecem abrir geograficamente a ação, recriando uma outra realidade, também do ponto de vista biológico, à qual as personagens (e a própria aranha) terão de se adaptar.

Seguindo a linha plástica da coleção, as ilustrações exploram os efeitos expressivos das cores fortes e das variações cromáticas. A representação das personagens valoriza a sua componente positiva, optando pela personificação dos animais, em particular da protagonista.

Ramos, R. & Ramos, A. M., 2011 

Atualizado em 17 MARÇO 2022
Desenvolvido por Webnode
Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora