Montanhas de verde na Serra de Sintra

João Paulo Cotrim (texto) e Alain Corbel (ilustrações) são os autores de uma trilogia que encerra com este livro (ver A minha terra e Um oceano de histórias), que integra habilmente as típicas dimensões lúdica e estética da literatura infantil com uma intencionalidade pedagógica assumida. Oferecem à leitura as descobertas da protagonista Ana no espaço cultural e natural da área metropolitana de Lisboa, cruzando realidade e ficção, num registo híbrido entre o modelo narrativo e o de divulgação científica.

Nesta obra, contactando com uma natureza e uma paisagem multiforme, a protagonista descobre muitos dos segredos, grandes e pequenos, que se escondem na Serra, mesmo à vista de todos. A História, a Geografia, a Geologia e a Biologia cruzam-se com a magia e o maravilhoso e propõem uma forma diferente de olhar a realidade que nos cerca. A surpresa funciona como ingrediente determinante da narrativa, ligando as cenas e o percurso da protagonista de descoberta em descoberta, mas também da própria Natureza, uma vez que "as coisas à nossa volta são como caixinhas de surpresas!".

Para além da hibridez textual, marcada, por exemplo, pela presença de vocabulário técnico-científico ou pelas quantificações exatas na descrição dos estados de coisas, há a destacar o frame da descoberta, com um reportório interpretativo relevante, assim como o da fruição pelos sentidos do espaço natural e cultural.

Nesta fruição, o sentido da visão adquire papel importante e os verbos de perceção visual são abundantes. Esta obra mostra, dá a ver, evidencia aspetos do real que frequentemente escapam ao olhar quotidiano, habitual e desatento. Ao evocá-los discursivamente, confere-lhes realidade discursiva e torna-os operativos no mundo do leitor - trá-los à existência, permite interação, permite conceptualização de insuspeitadas realidades. Torna, assim, o mundo mais complexo, cheio de novas entidades e de novos fios na teia que tudo relaciona.

Mas os restantes sentidos também estão presentes, várias vezes através de sinestesias, para uma sintonia mais plena entre homem e natureza: "sente estes cheiros, este verde, respira a humidade e vê lá onde pões os pés", "sítio que lhe cheirou a mistério", "até pode parecer um palácio cheio de aromas como este de terra húmida".

A natureza, por sua vez, é configurada como ativa e não somente como paciente de um processo em que o homem tudo domina e determina. Há múltiplas estruturas semânticas que desenham os elementos naturais como agentes de mudança, dando a ver os processos complexos que se desenrolam e não somente os resultados finais, mais visíveis ao olhar menos atento. Assim, a promoção da ecoliteracia concretiza-se em harmonia com a leitura por puro prazer.

Do ponto de vista visual, apresenta uma combinação entre uma ilustração tendencialmente verista, ligada às espécies e aos fenómenos físicos, e outra mais livre e pessoal, quase fantástica. O ilustrador explora, na representação da protagonista e na forma como ela interage com a paisagem, as potencialidades das sugestões de movimento e de dinamismo. Situada quase sempre em espaço natural, a ação é configurada quer a partir imagens panorâmicas e de planos muito abertos, quer a partir de planos mais fechados, centrando-se na representação de elementos pequenos ou de pormenores dos espaços. Esta oscilação também se verifica em relação às perspetivas, e o narrador visual adota uma posição próxima da de Ana, a heroína, de modo a que o leitor se possa identificar com ela. À paisagem é dada uma centralidade considerável, uma vez que ultrapassa o mero estatuto de cenário para, ao lado de Ana, protagonizar a ação.

Ramos, R. & Ramos, A. M., 2010 

Atualizado em 17 MARÇO 2022
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