Ainda nada?
Este álbum, para além das inúmeras particularidades ao
nível da ilustração, como é o caso da seleção de materiais, da
sequencialidade das imagens, da funcionalidade semântica da mancha
gráfica, constitui um testemunho eloquente da complementaridade
entre texto e imagem. A narrativa, muito simples, mostra o
protagonista, o Sr. Luís, semeando uma flor, e esperando pelo
nascimento e crescimento da sua planta. Acontece que, apesar de ter
semeado e regado a pequena semente com todo o cuidado, e de a
visitar diariamente com a expectativa de encontrar a sua flor em
crescimento, o Sr. Luís, ao fim de alguns dias sem resultados
visíveis, desiste da sua espera. É nesse mesmo dia que a flor
irrompe da terra em todo o seu esplendor, facto testemunhado por um
pássaro, que acaba por a colher. Quando, mais tarde, o Sr. Luís
regressa a saber novas da sua semente, nada tem para observar.E
Ora, o curioso é que a ilustração, por representar a imagem através de um corte transversal que inclui a camada de terra onde a semente foi semeada, vai dando conta do crescimento lento e progressivo do rebento de planta, sob o chão, até se transformar em flor. Enquanto isto, o texto, que a partir de certa altura ocupa só a parte superior da página, apresenta a perspetiva das personagens, o Sr. Luís e o pássaro, não dando conta da modificação que ocorre no interior do solo.
Assim, esta obra desvela o que está ocultado ao olhar humano, mostrando que a natureza é movimento perpétuo, com as suas regras e os seus tempos, não se submetendo às impaciências humanas. Pelo contrário, cabe ao homem conhecer e respeitar os ritmos naturais.
Ramos, A. M. & Ramos, R., 2010