A cabra imigrante

Esta obra encontra-se integrada na coleção «Pintar o verde com letras», resultado de uma iniciativa da Direção Regional de Cultura do Norte, «que lançou a um conjunto de escritores e ilustradores o desafio de criarem histórias que tivessem algumas das áreas protegidas daquela zona do país como lugares de inspiração e os seus habitantes, a sua fauna e flora como personagens» e que assumiu explicitamente a intenção de contribuir para o desenvolvimento cultural e a literacia ecológica dos leitores.

No caso presente, é evocado o Parque Nacional da Peneda-Gerês, através da recordação de dois animais que aí existiam no passado, mas que estão atualmente extintos: o urso-pardo e a cabra-montesa do Gerês. No caso do primeiro, há uma recente introdução da espécie em Espanha, mas esse facto não é mencionado na obra, e é dado como definitivo que o urso desapareceu para sempre deste território. No caso das cabras, é identificada a morte da última (em 1921, durante uma caçada organizada pelo jornal O Século) e a reintrodução operada pelo lado espanhol do parque, o que permitiu o repovoamento também da parte portuguesa.

O urso e a cabra são personificados no último exemplar de cada espécie, aos quais é atribuído nome - o urso Barnabé e a cabra Alfredina. Esta parece ser uma estratégia de aproximação afetiva ao leitor e um artifício retórico que visará a condenação da destruição das espécies animais que partilham o habitat planetário com o homem. Esta condenação não tem somente uma orientação retrospetiva e lamentosa, mas incorpora uma orientação prospetiva e ativa: afirma o narrador, dirigindo-se diretamente narratário (e ao leitor), que «se não tiveres cuidado, é também isto que acontecerá às últimas águias-reais que ainda resistem nas fragas, aos lobos-ibéricos, às gralhas-de-bico-vermelho, ao bufo-real, ao falcão-abelheiro, ao garrano ou à salamandra-lusitânica. Ou ainda ao lírio-do-gerês ou ao azevinho». Esta nomeação de espécies animais e vegetais atribui-lhes relevo, torna-as presentes no imaginário e na vida mesmo dos que não pisam o Parque, e pode contribuir para o reconhecimento da sua importância e das ações a favor da sua preservação. A biodiversidade é, pois, evocada neste texto, assim como a necessidade da adoção de modos de vida que a respeitem e mantenham.

Destaque-se, ainda, a opção por um registo coloquial e dialogante, com a convocação assídua no narratário e dos seus pontos de vista sobre os vários assuntos narrados. Este processo ficcionalmente simulado pelo narrador aproxima a narrativa da história oral e da atividade de contar histórias que, aliás, é igualmente atribuída aos animais. Esta narrativa seria, pois, de acordo com essa estratégia, a recuperação de uma história que as cabras contam aos filhos de modo a protegê-los dos seus principais predadores.

As ilustrações são o aspeto menos conseguido da edição, dada a hesitação não resolvida entre a influência naïve e uma certa preocupação realista que não encontra a melhor expressão.

Ramos, R. & Ramos, A. M., 2010 

Atualizado em 17 MARÇO 2022
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