A minha terra

A Minha Terra, com texto de João Paulo Cotrim e ilustrações de Alain Corbel, é o pórtico de uma trilogia (que inclui, dos mesmos autores, Um oceano de histórias e Montanhas de verde na Serra de Sintra, ambos publicados em 2004) que pretende focalizar e valorizar, para olhos infantis, os espaços naturais da área metropolitana de Lisboa. Esta obra, tal como as restantes do conjunto, enquadra o espaço natural e cultural combinando intencionalidade pedagógica e dimensão estética e recria as aventuras de Ana, a protagonista, na sua descoberta mais ou menos acidental dos espaços, dos seres, das dinâmicas, dos tempos e das modificações provocadas pelos homens e pelos elementos naturais nesse espaço onde se move. Os três livros foram objeto de revisão científica por especialistas em ciências naturais e adotam uma organização tipológica mista, entre a narrativa ficcional e o modelo de texto de divulgação científica. História, geografia, geologia e biologia cruzam-se com o mágico e o maravilhoso, propondo um olhar alternativo sobre o real quotidiano.

O livro apresenta um paratexto inicial, em forma de carta dirigida aos leitores, da autoria da Presidente da Junta Metropolitana de Lisboa na altura da publicação, que sublinha a ligação dos livros à temática ambiental e esclarece os propósitos educativos e lúdicos que o enformam.

Este volume introduz a protagonista e situa a ação no espaço geográfico da área metropolitana de Lisboa. A inclusão de um mapa mágico permite-lhe percorrer, dentro dessa área, espaços muito diferentes, movimentando-se entre eles. A transição de página, cujas implicações na leitura do álbum já foram estudadas por Sipe & Brightman (2009), adquire aqui especial relevo, estando ligada aos saltos geográficos realizados. A onomatopeia "Zás", usada quase como um refrão que pontua o texto, exprime essas mudanças surpreendentes, preparando os leitores para a sua ocorrência, e marca também o final aberto da narrativa, apelando quer à continuação da leitura nos volumes subsequentes, quer à realização efetiva de viagens similares às de Ana.

Este volume, o menos explicitamente formativo dos três, surpreende pela forma como entende o conceito de património natural, propondo uma interpretação abrangente e ampla, capaz de integrar diferentes paisagens, elementos do relevo, da flora e da fauna locais. A vertente científica do livro não é afetada pelos elementos oriundos do universo maravilhoso que cruzam o factual, mantendo-se alguma verosimilhança.

O título A Minha Terra destaca o sentimento de pertença, buscando a identificação do leitor com o espaço natural que o cerca. Em última instância, a promoção do conhecimento através da sua descrição visa a sua valorização e procura conduzir à sua proteção.

Para além da hibridez tipológica, há a assinalar a didaticidade que carateriza a obra. O frame ao serviço da didaticidade é o que se liga à curiosidade, à surpresa e à descoberta, caraterísticas ou ações típicas da infância. Repetidamente, a protagonista é descrita como curiosa e vivendo surpresas consecutivas, fazendo renovadas descobertas, na exploração que faz da paisagem natural e humana que a cerca. Esta é também retratada como contínua fonte de surpresas. Deste modo, potencia-se adesão do leitor, que facilmente se identificará com a heroína e será levado à descoberta e à aprendizagem.

Este frame é evocado desde o início do livro, que apresenta uma situação inicial na qual a personagem principal joga às escondidas com os seus colegas, na escola, e entra numa sala nunca antes visitada por si, nela encontrando mapas que "servem para não nos perdermos. Servem para conhecer o lugar das coisas". Além disso, há um reportório interpretativo vasto que atualiza este frame, do qual fazem parte lexemas e lexias como: "viagem misteriosa", "os passeios e as surpresas da Ana não param", "vale a pena (...) ir à sua descoberta".

Acresce que a atividade de descoberta é explicitamente avaliada de forma positiva, como um desafio atrativo: "Ana nunca teve medo de arriscar", "isto é divertido", "as dunas são muito divertidas para escorregar".

A fuga ao espaço empírico, através da fantasia da sala dos mapas, permite à narrativa desenrolar-se a um ritmo vertiginoso, que a ilustração potencia, explorando o momento do virar de página e incentivando o leitor a acompanhar a personagem nas suas deambulações. Lido em articulação com as imagens, com as quais dialoga sistematicamente, o texto exprime as inquietações da personagem perante o desconhecido, a surpresa das sucessivas descobertas e a sua constante curiosidade e desejo de conhecer.

Um aspeto importante da colecção reside no facto de a Natureza, e em particular a paisagem, não ser apresentada enquanto cenário imutável e idílico que suporta a ação e o protagonismo humanos. Entendidas enquanto forças vivas, em permanente movimento e atividade, as paisagens modificam-se, evoluem e transformam-se por ação combinada de outros elementos que com elas interagem, como o mar e o vento. Este equilíbrio dinâmico revela-se tão frágil e instável quanto belo, proporcionando um espectáculo de rara harmonia. Ao Homem cabe a difícil tarefa de compreender e preservar o que o rodeia, de modo a garantir a sua manutenção.

Ramos, R. & Ramos, A. M., 2010

Atualizado em 17 MARÇO 2022
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