Eu não fui!
Interessantíssimo álbum que, de forma extremamente
simples e lúdica, recria uma situação onde é transparente a cadeia
de ações e relações que liga os seres no ciclo da vida. A narrativa
tem o seu início com a protagonista a esmagar uma aranha, apelidada
de «bicho nojento». Mas logo é agredida por uma vaca, que tinha sido
escoiceada por um burro, que tinha sofrido uma cabeçada de um porco,
que tinha sido mordido por um cão... E o ciclo continua, até se
descobrir que tudo tinha começado com a picada de um mosquito no
traseiro de um pinto. Ou talvez o ciclo tenha começado mais cedo,
porque o mosquito se sentia livre por já não haver aranhas no seu
habitat para o apanhar. No momento dessa descoberta, o leitor
lembrar-se-á da razão pela qual não há aranhas... mas a protagonista
parece desconhecer a sua responsabilidade na situação, tal como os
seres humanos frequentemente esquecem a sua no devir do ecossistema
global. E daí o título da obra: a culpa nunca é assumida, mas é
sempre transposta para outrem.
Esta é uma obra que, de forma muito bem conseguida, com recurso ao humor e ao cómico de situação e de linguagem, lembra aos leitores que, para o equilíbrio das espécies e da própria Natureza, todos ocupam um lugar determinante e desempenham funções essenciais. Nenhuma boa ação se perde, nenhum ataque ao equilíbrio fica impune, e as implicações inerentes a qualquer gesto envolvem efeitos nem sempre antecipados.
É, assim, de modo muito agradável, mas sensato, promovida a ecoliteracia, ou o conhecimento ecológico dos leitores acerca das redes de relações que cada um dos seus atos estabelece. Esta é uma forma de promover a reflexão sobre o lugar de cada indivíduo no mundo e de ajudar a criar uma sociedade mais sustentável.
Destaque-se o especial relevo que as originais ilustrações ocupam, assim como as implicações semânticas da mancha gráfica com recurso a grafismos variados e a carateres de dimensão diversa. As próprias ilustrações, através da reutilização/reciclagem de diversos materiais e utensílios, apontam para uma leitura do álbum no sentido do apelo ao respeito pelo meio ambiente.
Ramos, R. & Ramos, A. M., 2010