Um dia na praia

Um Dia na Praia (2008), de Bernardo Carvalho, constitui uma narrativa que prescinde totalmente do discurso verbal, inclusivamente ausente da própria capa do livro. Estritamente visual, as únicas exceções residem na menção do título na lombada do álbum, na ficha técnica e num breve paratexto explicativo na contracapa, simultaneamente sumário e apelo à "leitura".

Assim, a interpretação da narrativa terá que ser realizada exclusivamente com base nas informações retiradas das imagens que, lidas sequencialmente, se organizam, num determinado espaço e durante um período de tempo, em torno das ações realizadas por uma personagem que percorre as páginas. Com um conjunto mínimo de recursos, formas coloridas básicas, sem uso do sinal contorno, estratégias e linguagem visual habituais do ilustrador, o livro desafia a capacidade de cooperação do leitor no preenchimento dos espaços em branco, de ler nas entrelinhas, de fazer inferências, de avançar hipóteses de sentido que terão de ser revistas e reequacionadas de acordo com as novas informações que o livro vai fornecendo à medida que as páginas vão sendo viradas.

A narrativa visual conta como uma personagem vai passar uma dia na praia e descobre que o mar está repleto de resíduos. Inicialmente, limita-se a retirá-los da água, mas surpreende o leitor ao ser capaz de transformar o lixo, que vai acumulando no areal, num novo objeto, um barco, no qual acabará por navegar. Assim, os objetos resgatados ao mar são alvo de uma espécie de "reciclagem" e reutilização, ganham forma original e nova vida. Por ação do trabalho, do esforço e, sobretudo, de tenacidade, criatividade e imaginação, o protagonista, agora transformado em herói, parte, mar fora, ao leme de um singular barco. A viagem, entendida em sentido literal ou simbólico, completamente inesperada do ponto de vista do desenrolar inicial da história, transfere a narrativa para um outro nível de interpretação, mais metafórico, ligado à imaginação, ao sonho e à própria liberdade.

Em Um dia na praia, o mar é recuperado da sua condição de lixeira, estando apto, depois, a transformar-se em espaço de prazer. A perspetiva manifestada é largamente utilitarista, mas determina a condição sustentável de utilização do espaço: a ação do homem sobre o seu meio ambiente tem de alterar-se.

Ramos, A. M. & Ramos, R., 2010 

Atualizado em 17 MARÇO 2022
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