Contos que o vento soprou
Esta obra é constituída por um conjunto de oito
breves contos, cuja diegese se constrói na fronteira entre o
referencial e o maravilhoso. Naqueles contos em que o mundo
referencial se impõe, o exotismo do Oriente deixa uma marca nítida,
levando-os a adquirir o mesmo tipo de orientação. A transição entre
o mundo onírico e o mundo referencial, igualmente presente na
coletânea, colabora nesse efeito. Os universos recriados,
predominantemente naturais, assim como as personagens que neles
atuam, são descritos de forma pormenorizada e minuciosa, às vezes
com vista a reforçar qualidades e a recriar ambientes eufóricos.
Um dos traços caraterizadores destes contos reside na animização ou na personificação de elementos naturais, plantas e animais, que ocorrem como agentes nas predicações estabelecidas. O sol ou os seus raios adquirem vida e interagem com os habitantes do mundo, os peixes falam, os pássaros habitam os sonhos e mudam a vida dos homens. Num dos contos, "uma gota de água amanheceu a deslizar entre duas pedras"; noutro, o vento "também gostava de fazer as suas brincadeiras e muitas vezes quem pregava partidas era ele", e era "curioso e implicante"; noutro ainda, "a natureza, mesmo em silêncio, ria e cantava sem parar".
A relação entre o homem, os elementos, os animais e as plantas, ou seja, o meio em que este se move, é harmoniosa, mas é concebida, em vários contos, como tendencialmente antropocêntrica - o homem tende a ser configurado como figura central e tudo existe em função dele. Contudo, em particular nos dois contos finais, a obra encerra potencialidades ao nível da literacia ecológica. No primeiro deles, "A Ribeira do Anjo", é desenhada uma circunstância de grande harmonia entre os humanos e o meio natural, e não é apagada a relação de mútua dependência. No segundo, "A Fadazinha", a natureza concretiza-se, dá-se a ver, oferece-se ao olhar e à ação dos homens como algo palpável, contável, sensível e frágil, contribuindo para a tomada de consciência da existência dos elementos naturais pelo leitor virtual.
Um palavra final para as ilustrações de Emílio Remelhe, que asseguram a coerência visual do livro e a ligação entre os diferentes contos. No estilo que lhe é habitual, muito sóbrio e cuidado, o artista recria com subtileza os motivos centrais das histórias, com especial atenção para as personagens, humanas ou animais. A técnica colabora na sugestão de uma certa imprecisão das formas, deixando espaço à interpretação do leitor, mas também sugere movimento, além de sublinhar o caráter maravilhoso, quase etéreo, de alguns motivos.
Ramos, R. & Ramos, A. M., 2010