A abetarda gigante... por terras da Lunda

A narrativa "A abetarda gigante... por terras da Lunda", com texto de Luís Jordão e ilustrações de Teresa Jordão, constitui uma publicação conjunta de uma editora portuguesa e de uma angolana. Como as primeiras páginas dão a saber, resulta da adaptação de um conto popular quioco (de Angola), recolhido e publicado originalmente em 1971.

A estrutura básica desse conto, com adaptações e cor local na justa medida, não difere significativamente da de outras narrativas tradicionais e suas reescritas contemporâneas: uma criança anda a recolher as armadilhas com seu pai, para se alimentar dos animais caçados, quando uma abetarda capturada lhe fala, suplicando que a liberte, sob a promessa de recompensa futura. Após a surpresa e a hesitação iniciais, a criança liberta a ave. Fá-lo-á outras vezes mais, apesar de saber que o pai a castigará por perder o sustento para a família. Mais tarde, quando estava a ser atacada por um leão, a criança será salva pela intervenção da abetarda. Conta o sucedido ao pai, que o dará a conhecer a toda a aldeia. E o chefe determina e proclama às suas gentes que, a partir daquela data, não mais se caçará qualquer abetarda, porque "ela e os Deuses da floresta vos compensarão, por praticardes o bem".

As ilustrações unem tradição e modernidade, conferindo à obra um cariz original e apelativo. Inspiram-se visivelmente na arte quioca, sendo marcadas pelas cores típicas (o vermelho, o ocre, o castanho e o branco), pelas formas geométricas e por uma representação de tipo naïf. Oferecem ao leitor um contributo importante de cor local e enquadram adequadamente o texto verbal. O reduzido formato do livro reforça o seu poder de atração.

O conto manifesta um ponto de vista claramente antropocêntrico, mesmo na sua moralidade final: só não se caça as abetardas por se esperar uma recompensa futura, e não porque se respeite o equilíbrio natural. Mas é verdade que retrata também uma época, um espaço e um modo de vida em que o homem vive em estreita dependência da natureza, mesmo para suprir as suas necessidades elementares e imediatas. A dimensão mágica pode, portanto, ser o caminho para justificar e consolidar proibições e práticas sociais.

A obra encerra uma dimensão formativa, concretizada num breve texto final, em jeito de posfácio, de cariz divulgativo, que explica brevemente o que é a abetarda, qual é o seu aspeto, qual é a sua área de distribuição, qual é a vitalidade das suas populações, etc. Junta-se-lhe ainda um mapa de África estilizado com a área de distribuição.

A princípio formativo parece ser dominantemente positivista: dar a conhecer seria um caminho para saber e querer proteger. De facto, não se quer e se protege o que não se conhece, mas o conhecimento do real pode não ser suficiente para criar um verdadeiro pensamento ecológico.

Ramos, R. & Ramos, A. M., 2010

Atualizado em 17 MARÇO 2022
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