Planeta azul?
Esta narrativa, com explícitas preocupações
ambientais, apresenta um Planeta personificado que se sente mudar -
está cada vez menos azul e aparecem-lhe manchas vermelhas - e que
procura identificar os motivos de tal mudança. Busca esclarecimentos
junto de elementos naturais e de animais, mas não encontra respostas
satisfatórias, antes se depara com a lamentação de cada um por causa
das mudanças que também eles sentem. Depois, pergunta aos homens e
as respostas começam a surgir: o bombeiro diz-lhe que a culpa é dos
incendiários que ateiam fogos, o homem que recolhia o lixo responde
que a culpa é de quem não trata os resíduos e suja os mares, a
cabeleireira afirma que é de quem inventou os aerosóis, o engenheiro
químico defende que é dos produtos químicos. Por fim, acabam por
anunciar que "a culpa é da poluição". E é quando o Planeta lhes
pergunta quem provoca a poluição que todos eles , "de repente
iluminados", tomam consciência dos seus atos e resolvem alterar o
seu comportamento, para poderem continuar a viver num planeta azul e
belo. A emoção de tal descoberta leva-os a chorar intensamente e as
lágrimas de todos, juntas, formam regatos e rios que acabam por
lavar o Planeta no seu percurso até ao mar.
Se é verdade que esta narrativa encerra o potencial de conseguir atingir alguns objetivos de ecoliteracia, procurando identificar, para além das esquivas desculpas habituais, a verdadeira fonte dos problemas ambientais globais - o homem e as suas práticas de exploração do meio - e algumas consequências da ação irrefletida nefasta ao ambiente, não deixa de apresentar uma solução mágica e fácil para o problema. Assim, sugere que a simples tomada de consciência e o assumir da culpa são suficientes para a resolução de todos os problemas, sem que tal exija verdadeira alteração de comportamentos.
Outros aspetos da construção da narrativa apresentam-se como dignos de nota: a personificação dos elementos naturais (o Planeta, o Sol, o Vento), favorável à tomada de consciência de cada um e da interação de todos na definição do habitat planetário; a consciência da globalização dos problemas ambientais, independentes de fronteiras políticas; e a proximidade entre a personagem principal, várias vezes tratado como "Planetazinho", e as crianças, que são os destinatárias preferenciais do livro, favorecendo a sua identificação com a vítima nesta narrativa e a sensibilização para a questão ambiental.
Configurando um tipo de edição específica onde a
dimensão formativa assume um papel preponderante, subjugando
voluntariamente a vertente estética ou lúdica do livro, este volume
coloca problemas de catalogação no universo da literatura infantil,
apesar de se configurar como uma obra ficcional que recorre a marcas
caraterísticas daquele corpus textual, como a estrutura
paralelística, a superação do problema e a resolução do conflito, a
personificação dos elementos naturais e dos animais, entre outras.
As ilustrações, ao contrário do texto, apoiam-se mais em sugestões
simbólicas do que realistas, equilibrando a explícita tendência
educativa do texto, sem deixarem de cristalizar personagens, espaços
e ambientes.
Ramos, R. & Ramos, A. M., 2010