Risco, o peixe-aranha
Álbum
narrativo, em primeira pessoa, sobre uma particularidade da vida de
um peixe-aranha, esta publicação de Elsa Lé coloca em evidência uma
espécie que, cansada de sofrer as críticas dos humanos sobre a sua
atuação, resolve contar a sua versão da história, dirigindo-se
diretamente ao leitor. Assim, este, para além de ficar a conhecer o
peixe-aranha e as principais caraterísticas biológicas desta
espécie, é alertado para a existência de diferentes versões das
histórias, de acordo com o ponto de vista a partir do qual são
contadas. Neste caso, confrontam-se duas conceções de um mesmo
evento, bem diferentes entre si, porque entendidas e descritas com
diferentes focalizações
-
e, naturalmente, diferentes modalizações avaliativas. Numa delas,
uma criança lamenta-se ter sido picada por um peixe-aranha enquanto
passeava na orla do mar, numa praia, ou, nas suas palavras, «-
Um bicho horrendo mordeu-me!». Assim, a criança é vítima inocente e
indefesa da malvadez do «bicho», alvo explícito de uma referenciação
fortemente disfórica. Na conceção que não parte da visão
antropocêntrica, o peixe-aranha explica que estava muito
sossegadamente no seu habitat natural, que este foi invadido e que
ele foi agredido (pisado) por um pé inesperado. Neste cenário, os
papéis de agente e de paciente são desempenhados pelas personagens
de forma diametralmente oposta: o agressor é a criança e o peixe o
agredido. Acresce que a «arma» do peixe-aranha, concebida
habitualmente como instrumento do seu ataque, é, na narrativa
alternativa, descrita como sua única defesa contra os perigos que o
mar encerra.
Trata-se, afinal, de promover o desenvolvimento precoce de uma certa consciência ecológica por parte da criança, no sentido de conhecer e compreender as diferentes espécies animais que a rodeiam e com as quais interage, e de a fazer entender que o mundo não gira somente em torno de si, que o meio integra outros seres e condições ambientais e que cada um deve respeitar o seu ecossistema. O leitor, diretamente interpelado pelo narrador-peixe, descobrir-se-á numa posição de juiz, não somente das ações dos protagonistas criança e peixe, mas igualmente da sua própria inserção no meio onde se move.
As ilustrações, oscilando entre a representação mais verosímil e a mais fantasiosa, recriam os principais momentos da ação, mas revelam algumas limitações no que à sua qualidade estética/artística diz respeito.
Ramos, A. M. & Ramos, R., 2010